Por que nossas crianças não vão bem em matemática?

Por que nossas crianças não vão bem em matemática?

João Bittar
Você sabe calcular porcentagem de cabeça ou precisa de uma calculadora? E contas com números decimais? É comum ouvirmos de muitos adultos por aí a frase “odeio matemática”. Muitos adultos até conseguem fazer uma conta de multiplicação bem rápido, mas não conseguem explicar o que são números naturais ou racionais, por exemplo.
Tais dificuldades não são fruto da maturidade. Esses obstáculos nascem lá na infância, quando, em um momento crucial do desenvolvimento infantil, o ensino da disciplina não considera preceitos básicos para a construção de conhecimento que permita compreender as propriedades dos sistemas matemáticos, que não se restringem a “aplicar tal regra”, mas a saber lidar com problemas, levantar e ajustar hipóteses, debater estratégias e generalizar procedimentos que deram certo.
Não por acaso, Priscila Monteiro, coordenadora do Instituto Avisa Lá e coordenadora da Pós-Graduação em Didática da Matemática no Instituto Superior Vera Cruz, defende que “saber matemática é uma forma de dialogar com o mundo, e não apenas saber fazer contas”. É, portanto, uma linguagem! Priscila fala sobre essa outra maneira de se relacionar com o que não sabemos.
Segundo Priscila, essa é uma conversa urgente. Os dados mais recente mostram exatamente isso: de acordo com o Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 35% dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental têm conhecimento adequado na disciplina. Além dos entraves cognitivos que esses índices representam, eles evidenciam também a exclusão de milhões de cidadãos ainda na infância.
Sobre os resultados, Priscila faz um importante alerta: os professores precisam de formação. “Há no 2º ano do Ensino Fundamental uma ruptura de natureza pedagógica no ensino de matemática: muitas crianças são submetidas às continhas estruturadas [de adição, subtração] sem que elas estejam preparadas para tal”, alerta a educadora.
O problema, porém, é sistêmico. As universidade não ensinam aos docentes como as crianças pensam e de que modo valorizar essa peculiaridade, da mesma maneira que muitas redes falham no apoio aos professores. “Eles precisam de atividades de aperfeiçoamento constante para lidar com as perguntas e questionamentos dos estudantes”, pontua Priscila.
Perguntas essas que, segundo a educadora, dão pistas sobre como a metodologia é parte do processo de aprendizagem da disciplina. “Matemática é como falar: a criança vai falando tudo errado, mas você não pede que ela se cale. Da mesma maneira, as crianças precisam, desde a Educação Infantil, propor soluções a problemas matemáticos. Por exemplo, é possível levar um calendário para a sala de aula e refletir com os alunos sobre os dias ou falar sobre a que hora os pais vêm buscá-los”, indica Priscila. “Seja na Pré-escola, seja nos primeiros anos do Ensino Fundamental, o aluno precisa testar hipóteses próprias e ser direcionado em um processo pedagógico que o leve à compreensão da resposta correta. Isso é muito diferente de dizer: ‘é isso’ e pronto”.
Quanto antes o mito da matemática como um conhecimento “difícil” for eliminado, mais rápido avançaremos rumo a uma aprendizagem democrática, concretizando a missão das escolas públicas: dar acesso ao conhecimento. Inúmeras pesquisas de desenvolvimento infantil atestam que toda criança é capaz de aprender. Dito isto, o que falta? Oportunidades de aprendizagem para todos, que somente serão possíveis mediante a uma articulação que coloque as crianças no centro, destinando tempo, pessoas e financiamento para a Educação e, consequentemente, para o desenvolvimento pleno infantil.
Aprender matemática no começo da escolaridade, faz, segundo Priscila, toda a diferença. “É fundamental para a autoestima do aluno. Quando ele é bem acompanhado, testa hipóteses matemáticas e chega a uma resolução correta, há um ganho de confiança em si mesmo”, afirma a educadora.
Fonte: http://blogs.oglobo.globo.com

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